Pela recuperação da qualidade de vida em nossos espaços públicos 

publicado em 11 de março de 2015

Todos nós desejamos viver em um lugar seguro, agradável, inclusivo, culturalmente inspirador e que propicie a interação entre as pessoas. Um lugar voltado para a comunidade, que, de alguma forma, faça parte de sua vida cotidiana e o estimule a sair de casa para dar uma volta, conhecer gente nova ou apenas para jogar conversa fora. O problema é que as nossas cidades em geral não oferecem esse tipo de experiência aos seus cidadãos, pelo menos não em larga escala. Felizmente, entretanto, iniciativas que visam reverter essa tendência têm ganhado força em todo o mundo, denominadas por um termo amplo que abarca desde as iniciativas comunitárias para revitalizar pequenos espaços verdes na vizinhança, até iniciativas governamentais, que pretendem recuperar a escala humana no planejamento urbano. Originado nos Estados Unidos e ainda sem uma tradução adequada para o português, usamos por enquanto o termo original em inglês: Placemaking.

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Transformar ‘espaços’ em ‘lugares’ é o que se quer dizer com Placemaking. E qual a diferença entre ‘espaço’ e ‘lugar’? “É a diferença entre uma área verde e uma praça. São coisas diferentes. A praça é uma área verde com toda a ativação de coisas que acontece naquele espaço”, explica o presidente do Conselho Brasileiro de Lideranças em Placemaking, o empresário Ricardo Birmann. Por ‘ativação’, ele se refere, por exemplo, à criação de uma agenda de atividades para o espaço, à revisão de elementos de urbanismo, arquitetura e paisagismo que tornem o espaço mais acessível e mais interessante e à incorporação ao espaço de elementos culturais, gastronômicos e artísticos que despertem o interesse das pessoas, fazendo com que se transformem em pontos de encontro e lugares de convivência.

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Birmann, que também é diretor presidente da Urbanizadora Paranoazinho, com sede em Brasília, explica que o Placemaking busca resgatar a qualidade de vida nas cidades. Fazendo referência a um dos princípios do Placemaking, idealizados pela ONG norte-americana Project Public Spaces (PPS) – referência mundial no assunto -, ele enaltece a importância da comunidade, do governo, da iniciativa privada e dos especialistas (como arquitetos e engenheiros) na concepção de estratégias que aproximem as pessoas.

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Numa entrevista didática e esclarecedora, Ricardo Birmann (na foto logo acima) discorre sobre a importância do Placemaking para humanizar os espaços públicos de nossas cidades. Ele também fala sobre o Conselho Brasileiro de Lideranças em Placemaking, criado em setembro do ano passado em um fórum realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Buenos Aires.

Confira a a entrevista:

Para transformar um espaço público em um lugar de convivência, é preciso ter o correto design, o projeto urbanístico daquele espaço, mas também são necessárias outras coisas, correto?

Ricardo Birmann: Na verdade, é mais comum se empregar Placemaking para ativar espaços urbanos existentes do que para desenhar novos. Por mais que seja possível termos em mente alguns princípios de Placemaking quando se está desenvolvendo um projeto de desenvolvimento urbano (como é o nosso caso, no projeto de Brasília), em áreas já construídas das cidades, pode-se não ter liberdade para fazer alterações físicas no espaço e se aumentar uma calçada ou construir um banheiro público por exemplo, mas ainda assim uma boa estratégia de Placemaking pode reinserir o espaço na vida das pessoas, de formas nunca antes imaginadas.

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Cite um exemplo.

Ricardo Birmann: Em muitos bairros brasileiros, é comum encontrar praças abandonadas, com áreas vazias que ninguém usa. Ali, poderia ser aplicada uma estratégia de Placemaking para transformar essa praça – de um local abandonado, sendo uma porta para as drogas e a violência de todo tipo – em um espaço seguro e saudável, que possa ser utilizado pela comunidade, de modo a valorizar seu entorno e não a desvalorizá-lo. Enquanto um “espaço” pode muitas vezes subtrair qualidade da vizinhança em que se insere, um “lugar” sempre soma. A cidade de Melbourne, na Austrália, por exemplo, transformou centenas de becos escuros e abandonados em espaços vibrantes de comércio, gastronomia e arte (busque “Melbourne laneways” no YouTube para ver alguns exemplos).

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Isso é buscar qualidade de vida….

Ricardo Birmann: Exato. Ter uma praça ao lado de sua casa onde você possa levar seus filhos é ter qualidade de vida. Nós, seres humanos, somos indivíduos que vivem coletivamente. A vida social é parte de nossa natureza. Então, ter acesso a essas oportunidades de interagir e de conhecer outras pessoas é uma forma de produzir qualidade de vida.

E como devem ser os espaços públicos?

Ricardo Birmann: Os espaços precisam ser acolhedores em todos os sentidos. Eles precisam ser seguros. Se não for, as pessoas não vão pra lá. É preciso ter coisas para se fazer, para se ver. Se não tiver, as pessoas não vão. E não há porque reinventar a roda. Ainda que haja algumas diferenças culturais e climáticas, as pessoas se comportam de maneira muito parecida em todo o mundo. Estudando bons e maus exemplos de espaços públicos em escala global, podemos aprender a dedicar nossos esforços na direção correta.

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O Placemaking é voltado apenas para espaços públicos?

Ricardo Birmann: Público no sentido de uso público, não necessariamente de dominialidade pública. O espaço pode ser privado, mas aberto ao acesso público e, com isso, pode-se pensar em ativar esse espaço. Calçadas, como zona de transição entre o espaço privado e o público, são muito importantes também. Mas é claro que, na enorme maioria dos casos, estamos falando de espaços de domínio público, como praças, parques e ruas. Dentre esses, as ruas representam a maior parte do espaço público das cidades e devem ser pensadas como espaços de permanência, troca e convivência e não apenas como “dutos” de transporte de pessoas, sem vida.

Um dos princípios criados pela PPS considera a comunidade como o grande especialista em Placemaking. Você concorda?

Ricardo Birmann: Fred Kent (fundador e atual presidente da PPS) diz que “a comunidade é o especialista”, querendo dizer que é um erro achar que um único “expert” (como um arquiteto) será capaz de produzir as soluções que as cidades precisam. É necessário envolver um grupo de pessoas, com diferentes formações, pensando de forma colaborativa em torno da criação de um great place (lugar excepcional) e nesse processo as contribuições da comunidade local, que conhece aquele espaço como ninguém, são fundamentais.

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Como você avalia o papel da comunidade?

Ricardo Birmann: Ouvir a comunidade é essencial, mas é preciso saber que nem sempre ela terá as ferramentas para transformar o que quer no que precisa. Às vezes, não tem as ferramentas nem para saber quais as opções pode ter e querer e nesses casos o papel dos especialistas – entre eles o arquiteto – é fundamental, até para fazer as perguntas certas para a comunidade. No Brasil, pela cultura, burocracia e legislação, o mais perto que chegamos de “ouvir a comunidade” é fazendo audiências públicas. Qualquer um que já foi a uma dessas sabe que elas são um péssimo modelo para agregar contribuições. Geralmente um “especialista” sobe num pódio para fazer uma apresentação maçante de duas horas e depois a “comunidade” se inscreve numa fila para fazer “sugestões” cronometradas de 5 minutos (às vezes menos), que depois serão transcritas e “analisadas” pelos especialistas. Os discursos muitas vezes não têm nada a ver com o assunto ou não têm profundidade para contribuir com um trabalho que já vem sendo elaborado há meses e sobre o qual – via de regra – não há espaço para mudanças. Na maioria das vezes, os coordenadores estão lá apenas cumprindo uma formalidade, para justificar cumprimento a alguma norma ou lei, raramente acreditam na possibilidade de aprimorar o estudo ou projeto a partir daquele ponto. Não é difícil fazer melhor que isso.

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Poderia apontar, no Brasil, exemplos de espaços públicos que adotaram uma estregtégia bem sucedida de Placemaking?

Ricardo Birmann: Há vários casos. Às vezes, as pessoas nem estão falando em Placemaking, mas estão tentando melhorar os espaços públicos das cidades. Isso acontece com um grupo que coleta lixo no parque, com uma empresa que adota uma praça e passa a pagar pela jardinagem ou com artistas que conseguem reunir pessoas interessadas em ver suas habilidades nas ruas ou num mercado livre. As ciclofaixas implantadas há alguns anos em São Paulo, em que algumas vias são dedicadas às bicicletas nos domingos, transformaram completamente a maneira como as pessoas se relacionam com o espaço da rua.

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Com Placemaking em mente, como seria uma cidade ideal?

Ricardo Birmann: Bom, é preciso deixar claro que Placemaking não é o santo remédio para todos os males das cidades, por mais que uma atuação focada na criação de melhores lugares possa ajudar a fazer as cidades mais seguras, mais limpas, mais agradáveis e mais prósperas. O Fred Kent, da PPS, fala que um bom lugar tem que ter dez coisas para se fazer. Podem ser coisas simples, como sentar e tomar um café, brincar com seus filhos num balanço ou talvez esperar um ônibus de forma confortável. Um bairro deve ter dezenas de pequenos lugares como esse e uma cidade deve ter replicar essa lógica em suas dezenas de bairros. Fred chama esse conceito de Power of Ten (“potência de dez”) e ele pretende explicar como uma pequena intervenção local pode contribuir para teremos uma cidade inclusiva e generosa, com a qual seus cidadãos se conectam numa escala pessoal e humana.

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O Conselho de Lideranças em Placemaking (Placemaking Leadership Council) foi fundado em 2013 pela PPS com o objetivo de fazer do Placemaking um movimento internacional. Como surgiu a ideia de criar um braço brasileiro desse Conselho?

Ricardo Birmann: O Conselho internacional selecionou pessoas de iniciativa preocupadas com esse assunto no mundo. O objetivo era criar uma oportunidade de troca de experiências, de ideias e, enfim, para o debate. No ano passado, um grupo de brasileiros engajado no assunto estava na Future of Places (fórum realizado pela ONU e por outros parceiros, a fim de discutir a importância dos espaços públicos e do Placemaking no planejamento das cidades). Então, surgiu a ideia de criar um braço desse conselho aqui no Brasil pelo fato de já existir esse sentimento, essa vontade de recuperação da qualidade do espaço público em nosso país. Mas essa vontade está um pouco dispersa na sociedade. Então, nosso objetivo é agregar isso num fórum de discussão.

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Como o Conselho Brasileiro pretende trabalhar para sensibilizar a sociedade sobre a importância do Placemaking?

Ricardo Birmann: Tenho que admitir que ainda não conseguimos colocar o Conselho Brasileiro para rodar. Temos feito discussões e temos algumas ideias, mas agora queremos começar a tirá-las do papel. A gente pretende ter um canal aberto com diferentes setores da sociedade, desde indivíduos com iniciativas para melhorar seu bairro e sua cidade até organizações, ONGs, profissionais liberais, Prefeituras, Governos de Estado e o Governo Federal. Há também muitos acadêmicos da escola de Arquitetura e de outras escolas, como a de Antropologia e Sociologia, discutindo essa questão. E, finalmente, o setor privado, que tem muito a contribuir para a questão, não só com investimento direto, mas também porque o setor privado, inevitavelmente, é quem constrói as cidades.

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Quais são os próximos passos do Conselho Brasileiro?

Ricardo Birmann: A gente tem a expectativa de, em breve, oferecer aos brasileiros um treinamento em Placemaking, um curso que a PPS ministra há anos em Nova York. Queremos importar esse curso, que contará também com convidados do Brasil. Muitas vezes, as pessoas ficam sabendo que esse tipo de treinamento ocorre lá fora, mas não têm como ir. Assim, estamos tentando trazê-lo para cá, tornando-o bem mais acessível.