Bicicleta em Brasília: uma opção possível
publicado em 11 de dezembro de 2015
Pesquisa traça o perfil de quem pedala no Brasil e aponta que 81,3% dos ciclistas vão trabalhar sobre duas rodas. Um dado curioso é que o DF é a unidade da Federação em que mais pessoas de classe média usam a bike como meio de transporte diário
O ciclista brasiliense usa a bicicleta principalmente para ir ao trabalho, está insatisfeito com a infraestrutura cicloviária do Distrito Federal e reclama que falta educação na relação dos motoristas com quem está sobre duas rodas. A conclusão faz parte da pesquisa Perfil do Ciclista Brasileiro, primeira do gênero no país e que será lançada oficialmente na capital hoje. Dez cidades foram analisadas, em um universo de 5.012 ciclistas — 433 delas no DF. A amostragem trouxe um dado curioso: o perfil de renda do DF é o mais bem distribuído entre todas as cidades pesquisadas. “Isso demonstra que a adesão de quem ganha mais ao uso das bicicletas começou a ocorrer de fato. E mostra uma mudança de pensamento maior em relação ao meio de transporte em Brasília”, garante Renata Florentino, coordenadora da ONG Rodas da Paz, responsável por dirigir a pesquisa na capital.
De acordo com os dados, 81,3% dos entrevistados usam as bikes para se dirigirem ao trabalho e 76,9% vão para a escola e a faculdade sobre duas rodas (era possível marcar mais de uma opção). Sobre a renda, a maior porcentagem entre os usuários é de quem ganha entre um e dois salários mínimos — 22,2%. Os que recebem entre cinco e 10 salários representam 11,1%.
A analista de inteligência de mercado Sabrina Mendes, 30 anos, representa bem esse perfil. Ela começou a andar de bicicleta há cinco anos, quando morava em Paris. “Foi aos poucos, como uma forma de tentar ajudar o meio ambiente. Só que, quando me dei conta, estava necessitando disso diariamente. Hoje, só me sinto disposta a trabalhar se venho pedalando.” Diariamente, ela percorre 20km para ir e voltar do trabalho, e, apesar de entender que viver no Plano Piloto é melhor para quem quer trocar o carro pela bicicleta, não nega os problemas que enfrenta. “A falta de educação é o pior. Não tenho carro por opção, mas há muitos motoristas que acham que, quem não tem, é um cidadão de segunda qualidade. Já fui xingada várias vezes.”
Um dos grandes problemas apontados por usuários e especialistas é a falta de planejamento das ciclovias. O DF tem 411km de malha cicloviária, mas as reclamações são constantes, como trajetos mal definidos, falta de placas de sinalização ou em desacordo com o Código de Trânsito Brasileiro em ciclovias, além da ausência delas nas pistas de velocidade entre as regiões administrativas.
Para o cicloentregador Mateus Bartuci, 24, apesar da necessidade dessas faixas como uma tentativa de trazer mais conscientização no trânsito, é preciso entender também que a bicicleta é um meio de transporte e pode dividir a mesma pista que os carros. “As ciclovias são importantes para dar visibilidade, mas, para locomoção, elas não condizem com a necessidade de quem precisa usá-la para trabalhar. Há pedestres demais, além de muitas dessas faixas serem mal pensadas”, analisa. Bartuci é sócio em uma empresa que usa bicicletas para fazer entregas e, garante, as vias expressas são pensadas apenas para quem está em veículos motorizados. “Há motoristas que ainda ficam indignados de terem que compartilhar a pista. Mandam a gente ir para calçada, para o parque, até para Cuba. Não veem a bike como um meio de transporte.”
Brasília também é, entre as cidades pesquisadas, aquela com maior quantidade de ciclistas que fazem integração com outro meio de transporte — no caso da capital, o metrô. “Comecei a pedalar para fugir do estresse do trânsito em Águas Claras. Ia de metrô até o Plano Piloto e, depois, seguia de bicicleta”, conta o cientista político Marcelo Sabóia, 30. “O transporte público precisa ser de qualidade, mas é também necessário pensar nessas outras formas de mobilidade”, garante.
Em nota, a Secretaria de Mobilidade afirma que está desenvolvendo dois planos de mobilidade, a pé e por bicicleta, que servirão como diretrizes para os próximos anos de governo, mas sem especificar que tipo de ação será efetivamente tomada.
SEGURANÇA E EDUCAÇÃO – O profissional de educação física Elmio Tagy Felipe dos Reis, 40, trocou definitivamente o carro pela bicicleta depois de um acidente, em 1991. Desde aquela época, percorre os mais diversos trajetos sempre sobre duas rodas e consegue ver bem as mudanças que ocorreram não só na estrutura oferecida aos ciclistas, mas na relação deles com quem dirige. “Eu morava no Jardim Botânico e ia para as escolas em que dava aula, em Taguatinga Sul e em Ceilândia. A educação é um processo lento, mas ela é melhor agora, sim”, lembra. Para ele, a mudança de consciência que aconteceu entre 1991 e 2015 existe, mas ainda não é totalmente satisfatória. “Temos muito mais motoristas entendendo o lado dos ciclistas e respeitando. Mas o poder público ainda continua se preocupando mais com quem tem carro.”
Para Zé Lobo, coordenador-geral da pesquisa, há uma relação direta entre a falta de infraestrutura cicloviária e a pouca educação no trânsito. Ele acredita que, ao oferecer mais base para a segurança da relação entre quem anda de bicicleta e carro, mais pessoas vão se sentir à vontade para buscar na bike uma opção de transporte. “As ruas estão aí, e o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é claro quanto ao nosso direito de circular nelas com preferência sobre motorizados. Mas, sem educação e respeito, só a lei não basta.”
O artigo 58 do CTB é claro: “Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores”.
Essa preocupação com uma relação mais pacífica entre motoristas e ciclistas fica mais evidente no DF quando é sabido que 38,1% dos entrevistados estão entre 15 e 24 anos. De acordo com Renata Florentino, da Rodas das Paz, o número mostra o potencial em cativar as faixas etárias mais jovens para que elas continuem a pedalar. “Se eles usam a bike para ir à escola e à faculdade, também podem querer continuar a usá-la para ir trabalhar”, justifica.
Fonte: Correio Braziliense