O planejamento urbano pode garantir ou comprometer a segurança nas cidades
publicado em 15 de agosto de 2016
Por Priscila Pacheco
A percepção de segurança que cada um tem do ambiente urbano impacta diretamente a maneira como as pessoas se relacionam com suas cidades e os usos que fazem dela. Por outro lado, em um processo mútuo, o modo como as cidades são pensadas e estruturadas também é determinante para a sensação de segurança que as pessoas terão (ou não) ao se deslocarem no ambiente urbano.
Ruas mal iluminadas em bairros de baixa densidade e nos quais não há uso misto, por exemplo, tendem a ser áreas consideradas perigosas, onde as pessoas dificilmente escolherão caminhar sozinhas à noite. Em contraste, em regiões com maior concentração de pessoas e onde prevalece a diversidade de atividades, as ruas são ambientes agradáveis, convidativos, nos quais as pessoas não têm medo de estar. A presença de “outros”, mesmo que desconhecidos, acaba com o vazio das ruas, tornando-as mais seguras e vivas.
Essa é a teoria conhecida como “os olhos da rua”, formulada pela jornalista Jane Jacobs, mundialmente reconhecida por seu trabalho em estudos urbanos e que mudou a forma como pensamos as cidades. A lógica por trás do pensamento de Jacobs é direta: quanto mais pessoas nas ruas, mais seguras elas se tornam. Os “olhos da rua” são os olhos de quem caminha, de quem ocupa os espaços públicos, de quem senta nos bancos da calçada, de quem está na praça e acompanha a movimentação na rua – a vigilância informal que exercem, voluntariamente ou não, quando ocupam o ambiente urbano.
Os olhos da rua e a falsa sensação de segurança dos muros
O planejamento das cidades como um todo e, em menor escala, a arquitetura das casas e prédios influenciam diretamente a segurança. Para que a vigilância de que fala Jane Jacobs seja de fato exercida, as cidades precisam criar as condições necessárias para tanto.
Em todo o país, é possível observar a proliferação dos condomínios e casas escondidos atrás de muros altos, muitas vezes acompanhados ainda por cercas elétricas. O muro surge como solução de conflito a partir do pressuposto de que é possível solucionar um problema deixando-o do lado de fora. O isolamento interno, porém, acaba por gerar o efeito contrário. Na tentativa de se proteger da violência, as pessoas criam fortalezas dentro das quais se escondem, sem perceber que, ao fazê-lo, corroboram o problema.
Em 2014, um estudo mostrou que quem vive atrás dos muros tende a perceber a própria vizinhança como mais violenta e insegura do que de fato é. A pesquisa ouviu moradores de condomínios de Curitiba e indicou que, apesar de todos os muros e aparatos, o clima do lado de dentro era de insegurança. Ao cruzar a percepção dos moradores com indicadores oficiais de criminalidade ficou comprovada a disparidade entre a crença das pessoas e a realidade. É a cultura do medo, tonificada pelos muros.
A segurança medida em metros de muro, porém, é falsa. Entre os princípios que regem a conservação de bons espaços públicos, dois merecem especial atenção quando o assunto é segurança. O primeiro diz respeito exatamente aos muros e explica por que são ineficientes como medida protetora: muros altos impedem a visão da rua, tanto para quem está dentro quanto para quem está fora, e, assim, acabam facilitando justamente o que deveriam evitar. Isso acontece porque – e aí entra o segundo princípio – o contato visual entre o interior das edificações e a rua permite a interação entre os dois ambientes e aumenta a possibilidade de reação a qualquer movimentação estranha.
Em um contexto mais amplo, o planejamento urbano também impacta a segurança – ou a falta dela. Bairros apenas residenciais, por exemplo, registram uma menor circulação de pessoas na rua e, portanto, tendem a ser mais propícios à ocorrência de crimes. Em qualquer parte da cidade, a segurança depende de proporcionar, por meio de um desenho urbano adequado, que o espaço das ruas convide as pessoas a transitar e a permanecer.
Nesse sentido, as cidades têm a oportunidade de oferecer mais segurança a seus moradores ao aplicar os princípios do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS). O DOTS é um modelo de planejamento urbano que propõe bairros compactos, de alta densidade populacional e com uma diversidade de usos no piso térreo da rua para atividades comerciais e serviços, além de espaços públicos seguros que fomentem a interação social.
A diversidade de usos em um bairro, mesclando áreas residenciais, comerciais e de lazer, faz com que a área se torne um destino atrativo, ativa os espaços públicos, estimula os deslocamentos a pé e, em consequência, torna o ambiente mais seguro para as pessoas. Ao mesmo tempo, as fachadas ativas promovem a interação entre as pessoas e a rua e estimulam o contato interpessoal. Dessa forma, é possível garantir segurança e, ao mesmo tempo, criar ambientes urbanos que a fortaleçam. Isso porque, “as pessoas se afastam intuitivamente de lugares vazios e sem interações: elas procuram conexões”.
Publicado originalmente em The City Six Brasil