UP Entrevista: Diretor-presidente da Adasa, Paulo Salles
publicado em 28 de novembro de 2016
A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) decretou estado de restrição de uso dos recursos hídricos. As ações implantadas, segundo a Agência, têm caráter educativo e servem para cidadãos repensarem a forma de utilizar a água. O diretor-presidente da Adasa, Paulo Salles, explica a situação.
UPSA – Por que os mais afetados são Jardim Botânico, Sobradinho, Planaltina, Brazlândia e São Sebastião?
Paulo Salles – As Regiões Administrativas citadas são abastecidas pelo que chamamos de sistemas isolados. Elas não recebem água dos reservatórios. A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) faz a captação diretamente no fio d’água, em córregos e rios, e leva para as estações de tratamento, de onde a água é distribuída para a população. Foi necessário que a concessionária implementasse o sistema de rodízio de abastecimento nessas regiões para que nenhum usuário ficasse desabastecido por mais de 24 horas. Essas localidades também abrigam muitos produtores rurais, que usam os mesmos córregos e rios para captar água destinada à irrigação de plantações.
Como as captações dos irrigantes ficam ao longo dos córregos, o volume de água que estava chegando no ponto de captação da Caesb era muito inferior ao necessário para abastecer os moradores dessas cidades. Por isso, o regime de restrição de uso. A Adasa promove, desde junho, a alocação de água com os produtores rurais do DF e, nesses pontos específicos, fez um acordo com eles para reduzir pela metade a vazão utilizada, fazendo com que chegasse mais água nos pontos de captação da Caesb. Com essas ações e o retorno das chuvas que recarregam os corpos hídricos, o racionamento nas regiões de São Sebastião, Jardim Botânico, Sobradinho I e II, Planaltina e Brazlândia foi suspenso temporariamente.
UPSA – Como as ocupações irregulares contribuem com a falta de água nos principais reservatórios do DF?
Paulo Salles – As ocupações irregulares acabam impermeabilizando o solo, dificultando a infiltração da água da chuva que recarrega os lençóis freáticos e os rios da Bacia do Descoberto. Também interferem nos mananciais porque eliminam a mata ciliar e, muitas vezes, contribuem até para o aterramento de nascentes. Há um caso que mostra bem a inconveniência das ocupações irregulares do ponto de vista da administração dos recursos hídricos: o DF deveria ter outro reservatório na região do Rio São Bartolomeu, que estava previsto no plano original. Porém a ocupação desordenada de terras públicas e os loteamentos ilegais em terras particulares deram origem a condomínios e expansões urbanas não planejadas na região. Houve a impermeabilização do solo, destruição de nascentes. E o Lago São Bartolomeu não mais é viável. O reservatório de Santa Maria e sua bacia hidrográfica estão localizados dentro do Parque Nacional e, por isso, fica protegido da ação humana.
UPSA – Quais as principais ações que estão sendo desenvolvidas pela Adasa para amenizar este cenário?
Paulo Salles – A Adasa tomou uma série de providências, como a publicação de seis resoluções para minimizar os efeitos da seca para a população do DF. São elas: Resolução nº 13, que estabelece os volumes de referência e ações de contenção em situações críticas de escassez hídrica nos reservatórios do Descoberto e de Santa Maria, visando assegurar os usos prioritários dos recursos hídricos; Resolução nº 15, que declara a situação crítica de escassez hídrica nos reservatórios do Descoberto e de Santa Maria; Resolução nº 16, que declara estado de restrição de uso dos recursos hídricos e o regime de restrição do abastecimento de água potável nas regiões administrativas de São Sebastião, Jardim Botânico, Sobradinho I e II, Planaltina e Brazlândia, atendidas pelos sistemas isolados operados pela Caesb; Resolução nº 17, que estabelece a tarifa de contingência para os serviços públicos de abastecimento de água do Distrito Federal, prestados pela Caesb, em virtude de situação crítica de escassez hídrica e dá outras providências; Resolução nº 18, que estabelece restrição de horário para captação de água por meio de caminhões-pipa, nos corpos d´água de domínio do Distrito Federal e naqueles delegados pela União e Estados; e Resolução nº 19, que reduz a vazão outorgada aos usuários de água subterrânea e recomenda medidas de uso racional da água aos estabelecimentos de lava-jato e postos de combustíveis do Distrito Federal.
UPSA – A população vem apresentando diversas dúvidas a respeito da tarifa de contingência. Pode explicar melhor como funcionará?
Paulo Salles – A resolução nº17 da Adasa definiu como seria aplicada a tarifa de contingência. Quando qualquer um dos dois principais reservatórios que abastecem a população do Distrito Federal, Descoberto ou Santa Maria, atingisse o patamar de 25% ou menos do volume útil, a tarifa passaria a vigorar com o propósito de estimular a economia de água. Os usuários que consumirem mais de 10 metros cúbicos (m³) por mês pagarão o acréscimo de 40% sob o valor pago só pelo consumo de água, sem reflexo no pagamento pelo esgoto. Como a maioria das contas emitidas pela Caesb é composta pelos serviços de água e esgoto, e a tarifa de contingência se aplica somente ao serviço de água, o valor final implicará um aumento real de 20%.
Um exemplo: o consumidor que utiliza 15 m³ paga R$110,30, R$55,15 pelo serviço de água e R$55,15 pelo serviço de esgoto. Com a aplicação de 40% da tarifa somente no valor da água, a conta passa a ser de R$132,36, acréscimo de R$22,06 na parte relativa à água. A meta de redução de consumo com a tarifa é de 15%. Então, se esse mesmo consumidor que utilizava 15 m³ conseguir atingir a meta e reduzir 15%, passando a consumir 13m³, ele pagará R$44,53 de água, mais R$44,53 de esgoto e mais R$17,81 da tarifa de contingência. Ao todo, a conta ficará em R$106,87. Mesmo com a aplicação da tarifa, se ele cumprir a meta de economia, ele conseguirá pagar uma conta menor do que a que ele pagava no mês anterior à aplicação da tarifa de contingência.
Os recursos oriundos da tarifa de contingência serão utilizados para mitigar os efeitos da crise hídrica, remunerando custos e investimentos da concessionária, a Caesb, tanto emergenciais quanto estruturais, abastecimento por caminhão-pipa, campanhas educativas para redução do consumo, intensificação de fiscalização para verificação de fraudes. A tarifa de contingência entrou em vigor no dia 24 de outubro, quando o reservatório do Descoberto atingiu 24,94% do seu volume útil.
UPSA – Falta consciência em relação à preservação da água?
Paulo Salles – A população brasileira em geral, e a do Distrito Federal inclusive, traz consigo a ideia de que a água é abundante, um recurso praticamente infinito. As mudanças climáticas estão vindo para mudar esse cenário. O Ceará vive um quadro de seca severa há 5 anos. A crise hídrica de São Paulo veio para alertar os brasileiros de que a água é um bem finito, e que, se a gente não cuidar, vai acabar. Os moradores da Região Metropolitana de Belo Horizonte também enfrentam situação difícil. A tarifa de contingência não pode ser encarada como uma punição, mas sim como um incentivo à redução do consumo. A média de consumo hoje no DF é de 175,1 litros por dia (L/dia) por habitante, enquanto a recomendação da OMS é de 110L/dia por habitante. Por isso a intenção da tarifa é ter um caráter educativo, para que as pessoas repensem a forma como utilizam a água.
UPSA – O sistema do Paranoá será capaz de amenizar o problema de todo o DF? Como está o cronograma das obras?
Paulo Salles – A captação de água no Lago Paranoá para abastecimento humano está sendo planejada para atender a população nas regiões do Setor Tororó, Café Sem Troco, São Sebastião, Jardim Botânico, Lago Sul, Paranoá, Itapoã, Lago Norte, Capão Comprido, Rajadinha e reforço dos sistemas Sobradinho/Planaltina e Santa Maria/Torto. As obras ainda não começaram, pois a licitação ainda está na fase final de análise no Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). A previsão é que comecem nos primeiros meses de 2017, caso haja liberação dos recursos federais.
Ascom UPSA
*Matéria publicada na 18ª edição do Jornal Nosso Bairro