Aprovados, mas sem escritura

publicado em 18 de janeiro de 2012

Fonte: Correio Braziliense – Helena Mader – Publicação: 18/01/2012

Ministério Público impede registro do Lago Sul 1. É o segundo parcelamento impugnado e promotores prometem barrar a regularização de todos os loteamentos que não seguirem os trâmites previstos em um Termo de Ajustamento de Conduta assinado há cinco anos

Os moradores dos dois únicos condomínios de classe média regularizados pelo governo em 2011 começaram o ano com uma má notícia. A aprovação dos projetos urbanísticos e ambientais não foi suficiente para que a comunidade chegasse à última etapa do processo de legalização: a entrega das escrituras. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que já havia impugnado o registro do condomínio Vivendas Lago Azul, em Sobradinho, agora determinou que o cartório não libere as escrituras dos lotes do Lago Sul 1, no Jardim Botânico. O documento foi protocolado no 2º Ofício de Registro de Imóveis, responsável pela área, no fim da tarde da última segunda-feira.

 

Correio Braziliense
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A medida não afeta apenas os cerca de mil moradores dos dois parcelamentos. As recomendações do MP valem para todos os condomínios do DF e os próximos a serem regularizados pelo governo enfrentarão as mesmas dificuldades. Pelo entendimento do Ministério Público, a maioria dos projetos elaborados e aprovados até agora está em desacordo com o Termo de Ajustamento de Conduta 02/2007, conhecido como TAC dos Condomínios. Os promotores prometem questionar todos os processos de legalização que não atenderem as determinações do acordo, firmado há quase cinco anos.

Um dos principais argumentos do MP é que os condomínios impugnados não foram regularizados por setor, como determina o Termo de Ajustamento de Conduta. Os promotores também defendem que os projetos urbanísticos e ambientais tragam a previsão de como será feita a compensação ambiental pelos danos causados e qual será o destino dos muros e guaritas. Como não existe previsão legal para o fechamento dos condomínios, os projetos urbanísticos simplesmente ignoram a existência dos muros. Outra exigência dos promotores é que haja espaço livre dentro de cada condomínio para a instalação de equipamentos públicos, como escolas ou postos de saúde. No Setor Jardim Botânico, por exemplo, o MP defende a reserva de 10% do espaço para a construção das benfeitorias — o que é inviável tanto para o Condomínio Lago Sul 1, como para a maioria dos parcelamentos do setor.

Setor
O promotor de Defesa do Patrimônio Público do DF Dênio Augusto de Oliveira Moura explica que o Ministério Público vai atuar para impedir o registro de todos os condomínios cujos projetos urbanísticos estejam em desacordo com a legislação. “A regularização por setor é uma determinação do TAC e precisa ser seguida. A legalização tem que ser efetiva, é preciso buscar saídas para os problemas urbanísticos e ambientais. Mas, muitas vezes, as soluções para as pendências são jogadas para o futuro”, justifica o promotor. “Os projetos têm que pensar de fato no destino da cidade, com uma integração da malha viária, obras de drenagem pluvial e rede de esgoto. Todas essas questões envolvem uma análise por setor”, garante o promotor.

O Vivendas Lago Azul seria a primeira área de propriedade da União a receber as escrituras. Mas, no momento em que o governo federal pediu o documento ao 7º Ofício de Registro de Imóveis, responsável pela área de Sobradinho, o Ministério Público determinou que o cartório não concluísse o registro. Com isso, o caso foi parar na Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que vai decidir se o parcelamento pode receber a escritura. Mesmo que a Justiça libere o registro, o Ministério Público ainda poderá recorrer. Com isso, o processo poderá se arrastar por tempo indeterminado. O mesmo trâmite valerá para o Condomínio Lago Sul 1, que fica em área particular.

A gerente de Regularização de Condomínios do GDF, Lene Santiago, está apreensiva sobre o futuro da legalização de parcelamentos no Distrito Federal. Para ela, as exigências do MPDFT fazem com que o registro de lotes em cartório se transforme em uma missão impossível. “Precisamos fazer uma ampla discussão porque já percebemos que o Ministério Público vai impugnar o registro de todos os condomínios aprovados pelo governo”, afirma Lene.

Ela quer discutir o tema na próxima reunião do Fórum de Regularização Fundiária do DF, que reúne representantes do GDF, do Judiciário, do Ministério Público e da sociedade. O encontro está marcado para o próximo dia 30. “Queremos discutir isso porque as exigências do MP não são razoáveis. Já fazemos estudos globais por setor habitacional, mas é impossível regularizar uma região inteira de uma vez porque cada condomínio tem as suas peculiaridades. Dentro de um mesmo setor, às vezes, há terras particulares, públicas do GDF ou da União”, comenta Lene.

Acordo
O Termo de Ajustamento de Conduta 02/2007 (TAC dos Condomínios) foi assinado em maio de 2007 por representantes do MP e do governo local. O documento estabeleceu as regras para a legalização de parcelamentos no DF, como a autorização para a venda direta dos terrenos de propriedade da Companhia Imobiliária do DF.

Secretaria no papel
A criação da Secretaria de Regularização de Condomínios, anunciada pelo GDF no último dia 22, até hoje não saiu do papel. A nova pasta deveria ter começado a funcionar ontem, mas a Secretaria de Comunicação do governo informou que até agora não foi nomeado o titular que chefiará a nova estrutura do governo. Não há previsão de data para o início dos trabalhos na Secretaria de Regularização de Condomínios.

Regras

O que o Ministério Público exige para liberar a escritura:

» Projeto integrador geral que trate o condomínio como integrante de um setor habitacional

» Previsão de áreas para a construção de equipamentos públicos dentro de cada parcelamento

» Detalhamento das medidas mitigadoras e de compensação ambiental pela ocupação ilegal da área

» Proposta para a formação de corredores ecológicos

» Descrição das obras de saneamento ambiental, delimitação, desobstrução e recuperação de áreas de preservação permanente (APP)

Preocupação entre os moradores
Em outros condomínios, já há grande preocupação com relação ao entendimento do Ministério Público. O diretor da Urbanizadora Paranoazinho S.A., Ricardo Birmann, conta que os argumentos detalhados no pedido de impugnação causaram surpresa. A empresa é dona da área remanescente da antiga Fazenda Paranoazinho, que reúne mais de 50 parcelamentos — a maioria no Setor Grande Colorado. “A exigência de aprovação por setor traz o conceito de que os problemas urbanísticos e ambientais sejam resolvidos dentro de um contexto. Entendemos a posição do MP, mas estávamos torcendo pela regularização do Lago Azul, já que ela vai servir de precedente para outras legalizações na região”, justifica Birmann.

O Condomínio Lago Sul 1, no Setor Jardim Botânico, teve o projeto urbanístico aprovado com o Vivendas Lago Azul, em novembro do ano passado. A comunidade do parcelamento ficou decepcionada com a notícia da impugnação do registro. A síndica da área, Maria Lourdes Cardoso, diz que desistiu de regularizar os lotes. “A sensação que temos é de que o Ministério Público não quer regularizar nada no Distrito Federal. Vou apresentar a contestação ao cartório e essa será nossa última tentativa. Depois disso, vou desistir de brigar pela regularização”, conta Maria de Lourdes.

Gasto alto
Só para publicar editais em jornais de grande circulação, a comunidade do condomínio Lago Sul 1 gastou quase R$ 10 mil. Quando os moradores entregam a documentação ao ofício de registro de imóveis responsável pela área, é preciso dar publicidade ao pedido de liberação de escritura. A partir daí, o cartório abre prazo de 15 dias para eventuais questionamentos. O MP apresentou a impugnação no último dia do prazo, a menos de uma hora do fechamento do cartório.

A síndica do Condomínio Lago Azul e presidente da União dos Condomínios Horizontais, Júnia Bittencourt, também questiona outro argumento usado pelo Ministério Público. Os promotores informaram que o projeto de aprovação do parcelamento não prevê a implantação de nenhuma medida mitigadora para compensar os danos ambientais. “Quem deveria pagar as compensações ambientais é o parcelador, não os moradores. Até porque já vamos pagar o preço de mercado para conseguir regularizar os lotes em áreas públicas”, comenta Júnia.