A cidade escolheu sua vocação em 1930 ao trocar trilhos por pneus

publicado em 1 de julho de 2015

transitoSP
Raphael Falavigna/Terra

São Paulo preferiu o Plano de Avenidas ao sistema integrado de bondes e ônibus proposto pela Light

Até a década de 1920, o paulistano se deslocava principalmente em transportes coletivos. Em 1933, a rede de bondes tinha 258 km de extensão, mais que o triplo da dimensão atual do metrô, e representava 84% dos deslocamentos coletivos, com 1,2 milhão de viagens por dia. A cidade concentrava 888 mil habitantes. A frota de carros estava começando a se expandir. A Ford havia desembarcado em solo brasileiro em 1919 e a General Motors, seis anos depois. O automóvel ainda era um luxo e não uma necessidade para a maioria dos paulistanos, como veio a ser mais tarde.

Hoje, a maior parte dos deslocamentos pela cidade é realizada de carro. Segundo a última Pesquisa de Mobilidade da Região Metropolitana de São Paulo, 12.603 viagens são feitas com automóvel e 11.124, de ônibus. Mesmo com as filas de congestionamentos que ultrapassam o horário de pico, os paulistanos preferem o conforto do próprio veículo. A metrópole tem uma frota de 5,4 milhões de carros. No fim da década de 1930, o estado paulista possuía pouco mais de 5 mil veículos.

A opção de trocar os trilhos pelos pneus começou justamente na década de 1930, quando a Light, que temia perder o monopólio dos bondes, propôs sem sucesso um sistema misto integrado com ônibus. No projeto, os trilhos passariam em alguns momentos por baixo da terra, como se fosse um metrô. Mas a cidade preferiu o Plano de Avenidas, proposto pelo então engenheiro da Secretaria de Obras Públicas, Francisco Prestes Maia, e Ulhôa Cintra, baseado em avenidas radiais e perimetrais.

O projeto foi montado em cima de um anel viário, chamado de perímetro de irradiação, que circundava o centro velho – pelas avenidas Ipiranga, São Luís, Cásper Líbero, entre outras construídas nessa época. “Qualquer projeto de rua envolve, implícita ou explicitamente, uma concepção sobre a cidade, sua estrutura, seu desenvolvimento”, explicou na época Prestes Maia.

O plano não foi seguido à risca, mas levou à melhoria das avenidas. Quando o engenheiro assumiu a prefeitura em 1938, a cidade virou um canteiro de obras. Ele terminou o Viaduto do Chá e a Avenida Nove de Julho, iniciados pelo antecessor Fábio Prado (1934-1938). Construiu ainda as Avenidas Duque de Caxias, Liberdade, Vieira de Carvalho e Senador Queirós. Em 1943, as linhas de bonde tinham encolhido 41 km e representavam 64% das viagens coletivas.

Prestes voltou a se eleger em 1961, mesmo com a péssima performance que tinha nos palanques. Ele não gostava de discursar. Era do tipo que passava as noites lendo e escrevendo. Mas as obras agradavam a população que reconhecia a modernidade no novo traçado. Antes da reeleição, em 1948, a prefeitura havia contratado uma equipe dirigida pelo arquiteto americano Robert Moses, famoso por transformar Nova York na década de 1930. Lincoln Center, Shea Stadium e a sede da ONU são algumas obras de sua autoria. Também rasgou Manhatan com 13 importantes avenidas, entre elas, a State Island Expressway. No Brasil, elaborou o Plano de Melhoramento para São Paulo, baseado no que havia realizado na cidade mais poderosa dos Estados Unidos. Introduziu espécies de rodovias urbanas, vias marginais aos rios Tietê e Pinheiros – que faziam parte do plano de Prestes Maia –, intervenções como parques, além da ampliação da frota urbana.

Prestes Maia tinha, no entanto, um opositor na área urbanística, que também influenciou São Paulo. Apesar da gestão curta como prefeito, de 1930 a 1931, o engenheiro e arquiteto Anhaia Mello influenciou outras gestões com posições antagônicas às de Prestes Maia. Ele achava que a prefeitura deveria ter uma equipe de Planejamento Urbano e controlar o crescimento da cidade. Era crítico da verticalização. E defendia a lei de zoneamento, tanto que preservou bairros como Jardim América. Ainda propôs normas para o uso e a ocupação do solo. Prestes Maia teve papel decisivo na construção do campus da Cidade Universitária (USP).

Apostar alto em vias públicas foi opção tomada por muitos prefeitos. Investiram 27% dos recursos em obras viárias Faria Lima (1965-1969) e Paulo Maluf (1969-1971) – que construiu o Elevado Costa e Silva, batizado de Minhocão, via expressa que liga a Praça Padre Péricles, em Perdizes, com a Praça Roosevelt, no Centro. Mário Covas (1983-1984) e Luiza Erundina (1989-1992) gastaram apenas 9% dos recursos em construções de novas avenidas. Preferiram investir no transporte coletivo.

“Agora, o mais acertado seria implantar uma política de transporte coletivo de massa, de alta qualidade, acessível a todos”, diz Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Fonte: O Estado de São Paulo