Invasões põem em risco abastecimento no Distrito Federal
publicado em 26 de setembro de 2016
A chuva cai no asfalto e deixa à mostra uma espuma branca, que exige atenção dos carros. Muitos deles passam errantes e patinam pela via, formando poças d’água e lidando com a enxurrada repentina que molha o Distrito Federal e anuncia uma trégua da seca. No canteiro central, a cena é diferente. O líquido é sugado rapidamente, a grama perde seus tons avermelhados e o cheiro de terra molhada cria um ar poético. Porém, muito mais que poesia, este momento do ciclo torrencial é indispensável para a garantia do abastecimento no DF. “Em média, 90% das águas dos nossos rios vêm daquelas que se infiltram no solo, alimentando os lençóis freáticos”, explica o pesquisador da Embrapa Cerrados Jorge Werneck.
Para ele, diante da maior crise hídrica da história, é imprescindível olhar o solo para além do deficit habitacional, focando na importância dele para o abastecimento de toda a população. “A palavra de ordem é adaptação. Gerir com água em excesso é fácil. Quando a oferta reduz dessa forma, temos que lembrar que somos quase 3 milhões de habitantes. E que, em algumas regiões, a capacidade de suporte aquífero já foi superada”, alerta.
Muito mais que as localidades atingidas atualmente pelos cortes feitos pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), o especialista garante que 30% da área reservada para a agricultura, atualmente, não tem como ser irrigada. E, com o regime de chuvas totalmente inesperado de 2016, a exigência de uma nova postura em relação ao solo ficou ainda mais evidente. “Este ano, tivemos pontos em que a quantidade de chuva foi menor ao que estávamos medindo na nossa série histórica desde a década de 1970. Há locais, como a região do Pad-DF, nos quais choveu 600mm. Isso é muito pouco diante da média dos últimos 20 anos, de 1.300mm. Ninguém imaginaria que poderia chover essa quantidade em qualquer lugar daqui”, assegura. Como a garantia meteorológica não existe mais, o verdadeiro preço das invasões começa a ser cobrado.
De acordo com Sérgio Kóide, chefe do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental (ENC) da Universidade de Brasília (UnB), a população do DF se tornou muito maior do que sua área suporta. Dessa forma, a disponibilidade hídrica, antes mesmo de a crise se mostrar de forma tão visível, já era considerada crítica. “Aqui, temos nascentes de três grandes bacias, não passa nenhum rio grande e temos um consumo intenso. De um lado do DF, uma grande população. Do outro, forte produção agrícola”, explica.
Cobrando a conta – A promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente Marta Eliana de Oliveira afirma que a população está pagando uma conta que vem crescendo desde a década de 1990, em decorrência da especulação imobiliária, que não compreende a necessidade de preservação ambiental. “Alguns governos foram extremamente coniventes, incentivavam a ocupação irregular, a grilagem de terra. Nascentes foram aterradas; poços, perfurados sem autorização. A captação em Corumbá está atrasada e deve atrasar mais.”
Para Sérgio Kóide, a ocupação urbana desenfreada é o mais grave problema a ser enfrentado diante de toda a crise hídrica que marca 2016. “Começa pela impermeabilização do solo, com asfalto, residências. Isso faz cair drasticamente as áreas de infiltração e também a recarga dos lençóis freáticos. O segundo problema são as ocupações. Há muitas chácaras com diversos poços abertos, que tiram água subterrânea. Só na Bacia do Descoberto, até 2014, havia 400 delas. Essa é a mesma água que vai para os rios”, denuncia. A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do DF (Adasa) é responsável por supervisionar os poços artesianos. Questionada sobre o controle, a assessoria de imprensa relatou as formas como ocorre — ações de fiscalização programadas e não programadas —, sem especificar de que forma isso afeta a inspeção dos poços.
Em relação às ações que visam diminuir o impacto do racionamento, a agência frisou que, entre outras atividades, está coordenando atos que visam a alocação de água nas bacias, reduzindo o volume de captações, alternando os horários de captação e aumentando a disponibilidade hídrica para o uso prioritário (abastecimento humano).
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Fonte: Correio Braziliense