UP Entrevista: Thiago Andrade, presidente do IAB/DF

publicado em 30 de maio de 2014

Entrevista_Thiago Andrade_crédito_arquivo pessoal

Nascido em Brasília, sempre esteve envolvido nas discussões a favor da cidade. Formado em arquitetura pela UNB, Thiago mantém sua atividade profissional sustentada em um tripé: o trabalho no escritório, a vida econômica e a atuação no IAB-DF, onde foi eleito presidente no final de 2013.

A Secretaria de Habitação do DF tem aprovado diretrizes urbanísticas para diversas áreas do Distrito Federal, dentre elas a região da Fazenda Paranoazinho. Qual a importância desse tipo de iniciativa?

Problemas históricos na desapropriação das terras para o futuro DF nos anos 50, aliados à falta de planejamento e fiscalização do governo geraram brechas para a ocupação irregular de terras em todo o DF, em todas as classes sociais. Hoje, cercadas de infraestrutura e relativamente próximas ao Plano Piloto, essas áreas se valorizaram. As diretrizes urbanas, até certo ponto, conseguem neutralizar os efeitos negativos dessa ocupação. É preciso que os moradores dessas regiões sejam independentes da infraestrutura do Plano Piloto e encontrem escolas, comércio, hospitais, trabalho e oportunidades de lazer nas comunidades perto de casa. Entretanto, precisamos de um pacto em torno de um planejamento territorial de médio e longo prazo que não esteja sujeito ao tempo e ingerências eleitorais.

Muitas das regiões contempladas pelas Diretrizes Urbanísticas são vizinhas a áreas já ocupadas. Quais os efeitos do planejamento das áreas remanescentes para a população dessas regiões?

Cabe ao Estado realizar e coordenar o processo de desenvolvimento urbano, mas é preciso lembrar que não se faz cidade com boa mobilidade assim, tão rapidamente. Curitiba, por exemplo, começou a planejar seu sistema no final dos anos 60 e, só na década de 80, ele surtiu efeito. Para resolver problemas de mobilidade nas cidades brasileiras, é preciso planejar agora e esperar por resultados concretos daqui 10 ou 15 anos. E essa corrida nós já estamos perdendo.

Você acredita que o DF tem avançado nas questões relacionadas ao planejamento urbano?

Ainda estamos longe da resolução dos problemas, principalmente porque muitas das decisões são feitas segundo interesses eleitorais. A administração do poder público foca em respostas e não em ações que se antecipem aos problemas. Suas atitudes são sempre retroativas. É preciso planejar um sistema de mobilidade que conecte as regiões do DF e neutralize os efeitos do movimento pendular que, em Brasília, causa um impacto sem precedentes. Para isso é necessário pensar não somente em habitação e diminuição do déficit habitacional, mas em sua articulação com o território, costuras entre as cidades, mas principalmente em desenhar comunidades que sejam sustentáveis e integradas a um projeto coletivo de cidade. Do contrário reforçaremos a barbárie do presente: pessoas tendo suas vidas consumidas pelo trânsito, cidades rompidas entre classes sociais e a violência patólogica imperando entre os cidadãos. São custos imensuráveis para todos.

Recentemente, o IAB se posicionou contra o Governo durante o debate sobre o PPCUB. Quais as principais críticas ao projeto?

O PPCUB começou como um plano em que a preservação era objetivo secundário. Ele tinha um viés muito mais desenvolvimentista e de organização do uso e ocupação do solo do que propriamente de preservação. Em um documento que pretende regularizar a preservação do plano urbanístico de Brasília, deve estar determinado o que, de fato, deve ser preservado, de acordo com o que foi tombado pelo IPHAN e declarado patrimônio mundial pela Unesco. Também devem estar determinadas as características da cidade que não podem mudar e, ao mesmo tempo, propor uma articulação com o processo de desenvolvimento.

O IAB nasceu antes mesmo de Brasília. Hoje, qual o papel do Instituto nas discussões urbanísticas da cidade?

O IAB nasceu em 1921. É uma entidade desvinculada do governo, sem fins lucrativos, cujos membros atuam voluntariamente. O Instituto trabalha em prol da cultura arquitetônica e participa de debates sobre problemas ambientais e de mobilidade relacionados à questão urbana – assuntos recorrentes na sociedade atual.

Na visão do IAB, o tombamento do Plano Piloto não cria um obstáculo para que a cidade se beneficie de novas tecnologias e soluções para o ambiente urbano?

Assim como a sociedade brasiliense, o IAB não abre mão do título de patrimônio mundial e do tombamento pelo IPHAN – títulos que, até certo ponto, protegem a cidade da ação especuladora. Mas a ideia de que o tombamento impede o desenvolvimento da cidade é totalmente equivocada. O tombamento permite intervenções, desde de que feitas com responsabilidade. Os grandes vazios já parcelados em áreas centrais da cidade existem não por causa do tombamento. Essas áreas não são ocupadas por causa da especulação imobiliária, interessada na valorização futura dos terrenos.

O traçado urbano de Brasília é centrado nos automóveis, desprivilegiando transporte público e pedestres. Como se pode trabalhar as questões de mobilidade urbana em uma cidade cujo projeto privilegia os carros?

O tombamento não prejudica obras como as de mobilidade urbana, principalmente quando o foco desses projetos não é o veículo privado, mas o transporte coletivo. A construção de viadutos, túneis e pontes fere muito mais a paisagem que linhas de trem e faixas exclusivas para ônibus. Os intensos movimentos pendulares no DF também dificultam a mobilidade. Há 300 mil pessoas morando na área tombada, enquanto 2,4 milhão vive no restante do DF e mais cerca de 1,5mi em seu entorno. A maioria dessas pessoas vem para o Plano Piloto em seus carros individuais todos os dias. É preciso transporte de massa eficiente e, na medida do possível, equipamentos como comércio, bancos, escolas e empregos para que moradores de regiões distantes não dependam somente da estrutura do Plano Piloto.

A expansão de Brasília para fora do Plano Piloto ocorreu predominantemente de forma irregular. Quais as consequências para a cidade desse tipo de crescimento não planejado?

A catástrofe da mobilidade urbana de Brasília não é resultado, apenas, da ocupação irregular, mas de uma política elitista realizada pelo Estado ainda nos anos 50, quando algumas cidades no DF foram desenhadas e planejadas para abrigar os trabalhadores e alguns habitantes de invasões e ocupações irregulares. Essa política de criação de cidades dormitório, reforçando a relação centro-periferia acarreta, por exemplo, alto custo na infraestrutura de transportes, problemas de mobilidade urbana, desperdício de horas no trânsito e exclusão social, já que o valor para morar no centro da cidade é muito alto. Entretanto, hoje ainda com muitos problemas, essas cidades do DF estão se tornando mais autônomas e ricas. Há uma descentralização acelerada da oferta de empregos na área tombada. É uma pena que isso não aconteça aliado a uma política clara de desenvolvimento urbano regional.
Esta matéria está na quarta edição do Informativo Nosso Bairro que já está sendo distribuído na região dos condomínios.

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